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Novos medicamentos para HIV

Mesmo após o desenvolvimento de remédios que prolongam a vida dos portadores do vírus HIV, ainda é necessário descobrir tratamentos que ofereçam aos soropositivos melhor qualidade de vida, em especial no combate a doenças oportunistas e outras patologias relacionadas ao processo de velhice, como o câncer, por exemplo. Estudos realizados na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sob a coordenação da professora Sigrid de Sousa dos Santos, do Departamento de Medicina, analisam a relação dos portadores do vírus da imunodeficiência adquirida com outras doenças, como infecções, febre amarela, hepatites e insuficiência renal. Os estudos são realizados em parceria com as Faculdades de Medicina da USP de São Paulo e Ribeirão Preto e a Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp e também com o Hospital Escola, Centro de Especialidades e Santa Casa de São Carlos.

A professora Sigrid iniciou seus estudos com portadores de HIV durante sua graduação, realizada na Faculdade de Medicina na Universidade de São Paulo, entre os anos de 1987 e 1992, momento em que os primeiros testes com o Zidovudina (AZT) eram realizados com pacientes soropositivos. O AZT inibe a produção de proteína transcriptase reversa que é essencial para a reprodução do vírus. No entanto, a irregularidade nos tratamentos contribuiu para o desenvolvimento de vírus mais resistentes aos medicamentos.

Em meados da década de 1990, surge uma nova classe de medicamentos, conhecidos como inibidores de protease, que dificultam a multiplicação do HIV no organismo. Até então, os medicamentos prolongavam a vida dos doentes por alguns meses. Quando surgiram as novas classes de medicamentos e o tratamento passou a ser feito com uma combinação de remédios, a vida dos pacientes aumentou. “Mas no ano 2000, percebemos que alguns pacientes não respondiam aos medicamentos, mesmo com novas combinações de medicamentos. Isso foi percebido, principalmente entre as pessoas que tomavam os remédios irregularmente. Como o vírus sofre mutações, a irregularidade na ingestão de medicamentos selecionava os vírus resistentes”, relata a docente.

A professora Sigrid explica que, mesmo com a evolução dos fármacos e dos procedimentos de tratamento específicos de controle do HIV, ainda são necessários estudos sobre o comportamento do sistema imunológico com outras doenças e aplicação de vacinas de combate a outras doenças, como a febre amarela e gripe. Na maioria dos casos, as vacinas são produzidas a partir de proteínas presentes em determinados tipos de vírus e até mesmo vírus vivos enfraquecidos que estimulam as defesas do corpo. No caso dos portadores dos pacientes com AIDS, a quantidade de linfócitos, células essenciais para estimular a produção de anticorpos, é comprometida, inibindo a resposta imune. “Há cerca de 15 anos atrás, os médicos temiam que a aplicação de vacinas induzisse nos pacientes soropositivos o desenvolvimento das doenças. Mas, depois de alguns estudos, com acompanhamento dos pacientes, dosagem da quantidade de vírus e análise da produção de anticorpos, sabemos que é muito importante e seguro aplicar as vacinas nos pacientes soropositivos”, afirma.
A adoção das terapias retrovirais permitiram uma maior sobrevida dos portadores do vírus HIV.

No entanto, em decorrência do aumento da expectativa de vida e enfraquecimento do sistema imunológico, surgiram novos desafios para a classe médica, como as alterações metabólicas em decorrência dos efeitos adversos dos medicamentos, além de um estudo sobre os hábitos dos pacientes soropositivos que possam interferir no tratamento ou provocar doenças.
Desde 2003, a professora Sigrid desenvolve um estudo sobre alterações anatômicas e metabólicas em portadores do vírus HIV. “Conforme se trata o paciente soropositivo, ele melhora, mas tem algumas complicações cardiovasculares, com o aumento de colesterol e diabetes e tem uma tendência à deposição de gordura no centro do corpo, que é conhecido como lipodistrofia”, explica.

O acompanhamento médico dos pacientes soropositivos também permitiu analisar como os hábitos do cotidiano podem interferir na saúde. Um levantamento feito pela docente verificou que, entre os pacientes que participaram da pesquisa, 41,9% fumavam, sendo que na população brasileira, na mesma faixa etária, a porcentagem de fumantes é de 21%. Além disso, também era expressiva a quantidade de portadores do vírus HIV que bebiam. “O hábito de fumar já contribui para o aumento de infarto e câncer de pulmão. No caso dos pacientes que bebem, aumenta a possibilidade de se desenvolver cirrose e câncer de fígado”, explica a professora. Os estudos foram realizados no Hospital das Clínicas de São Paulo.

Segundo a professora, o aumento do risco de morte devido a câncer em pacientes infectados pelo HIV pode ser atribuído a maior cronicidade da infecção, ao possível papel de alguns vírus oncogênicos e pelo envelhecimento da população infectada. “O vírus HIV não é oncogênico, não tem a capacidade de alterar o código genético da célula e transformá-la em uma célula cancerosa. No entanto, toda vez que o vírus afeta o DNA da célula, ele pode alterar o código genético e, ao acaso, transformar em uma célula cancerígena. Além disso, em decorrência da deficiência do sistema imunológico, as células de defesa, como as Natural Killers, CD4 e CD8, que atacam as células estranhas do corpo, são afetadas”, esclarece.

Alguns tumores, como o Sarcoma de Kaposi, Linfoma não-Rodgkin e o câncer invasivo de colo de útero, têm relação com o HIV e imunodepressão, mas as pesquisas apontam que os cânceres que mais afetam os soropositivos não têm essa relação direta com o HIV. “Não é que o portador de HIV tem maior chance de desenvolver um câncer. Mas com os avanços nos tratamentos, os soropositivos vivem mais e acabam desenvolvendo complicações tardias, como o câncer. Se o vírus HIV tivesse um papel muito importante no desenvolvimento de neoplasias, teríamos um aumento no número de mortes por câncer muito grande. Mas o que percebemos é que as infecções oportunistas ainda prevalecem nos óbitos dos pacientes com AIDS”, complementa Sigrid.

A professora conta que, segundo as Orientações da Sessão Especial da Assembleia-Geral das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Ungass), os tratamentos para os pacientes no Brasil funciona muito bem nos grandes centros, mas ainda apresentam deficiências nas cidades menores. “A grande maioria dos pacientes já chega com o diagnóstico de AIDS. Em São Carlos eu vejo pessoas com quadros muito graves, em situações semelhantes à época em que eu era residente, entre os anos de 1993 e 1996. O diagnóstico de HIV deve ser feito mais cedo, antes que a doença se desenvolva. Muitos chegam ao tratamento médico tardiamente, bem debilitados”, afirma a docente. Em São Carlos, os primeiros casos de infecção por HIV foram diagnosticados em 1987. Até o ano de 2010, foram diagnosticadas 997 pessoas com a doença.

Além da evolução nos tratamentos, a professora Sigrid acredita que o maior acesso aos serviços de saúde, aliado a campanhas de conscientização são necessários para a redução nos casos de transmissão do vírus HIV e manutenção da saúde do soropositivo. “Hoje, diante das pesquisas e avanços, vejo a possibilidade de desenvolvimento de um tratamento definitivo. Mas não adianta desenvolver um tratamento definitivo se isso for acessível para um número restrito de pessoas em relação à população mundial. O principal é as pessoas saberem que existe acesso aos tratamentos. Mas esses serviços devem ser acessíveis a todos. Hoje, temos condições de que os portadores de HIV tenha uma vida saudável com os remédios e as pessoas tenham acesso ao diagnóstico. Isso é uma situação que podemos resolver, mas dependemos de uma estrutura de saúde pública que seja mais assistente”, defende Sigrid.

Fonte: http://aquiacontece.com.br