Há pouco mais de um ano, Martin Shkreli, de 33 anos, recebeu vários apelidos pouco elogiosos nos Estados Unidos e no mundo. Foi chamado de símbolo “de tudo de ruim que existe no capitalismo”, “sociopata moralmente falido” e “o homem mais odiado do país”, por exemplo.
Em agosto de 2015, a empresa farmacêutica dirigida por ele, a Turing Pharmaceuticals, elevou em mais 5000% o preço de um medicamento para pessoas com sistema imunológico debilitado.
Segundo as informações divulgadas na época, o aumento de US$ 13,50 (R$ 46) para US$ 750 (R$ 2550) por comprimido do Daraprim, que custa US$ 1 para ser produzido, justificava-se por ser um produto altamente especializado e com uma margem de lucro pequena. Em países como a Austrália e o Reino Unido, a droga é vendida por US$ 1,50 por comprimido.
Nesta semana, um grupo de adolescentes australianos provou que Shkreli, um ex-gerente de fundos de investimentos, não foi totalmente honesto – algo considerado por alguns médicos como “humilhante” para o empresário.
‘Injustificado’
Os estudantes de uma escola de Sydney, todos com 17 anos, conseguiram sintetizar 3,7 gramas do princípio ativo do Darapim, a pirimetamina, por apenas US$ 20, como parte de um experimento no laboratório do estabelecimento de ensino, que durou um ano.
Nos EUA, a mesma quantidade custaria mais de US$ 110 mil.
“Não foi muito difícil, mas suponho que esse é justamente o ponto, porque somos estudantes”, disse à BBC um dos adolescentes, Charles Jameson.
De fato, o objetivo do experimento de um ano foi justamente demonstrar o custo inflado do medicamento nos Estados Unidos.
“Parecia algo totalmente errado moralmente e sem justificativa”, disse outro estudante, James Wood. “É um medicamento que pode de salvar vidas, e muitas pessoas não podem pagar por ele.”
Desenvolvido nos anos 1950, o Daraprim é usado para tratar a toxoplasmose, uma enfermidade infecciosa causada por um protozoário encontrado nas fezes de felinos e que afeta pacientes com sistema imunológico debilitado, como quem sofre de Aids e malária, e pacientes que se submetem à quimioterapia, além de algumas gestantes. É uma doença potencialmente fatal.
“Se estudantes conseguiram sintetizar a substância a custo tão baixo, não há desculpa para que se cobre tanto dinheiro pelo medicamento”, diz Alice Williamson, química da Universidade de Sydney que orientou o trabalho dos estudantes.
O empresário americano, porém, desdenhou dos resultados, dizendo que “é fácil produzir uma pequena quantidade” da droga.
“Eu deveria usar escolas para fazer meus medicamentos”, escreveu ele em sua conta no Twitter.
“Para que comprar equipamentos, se posso usar os laboratórios de ciências de graça. E os professores que ajudaram as crianças trabalharam de graça, certo?”, ironizou.
Críticas
A decisão de Shkreli de aumentar o preço da droga levou a uma onda de fortes críticas ao redor do mundo. A Sociedade para Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, a Associação de Medicamentos para HIV e outros órgãos da área de saúde nos EUA publicaram uma carta aberta em que exigiam da Turing que reconsiderasse o aumento.
“O custo é injustificável para pacientes vulneráveis que precisam do medicamento e insustentável para o sistema de saúde”, disse o grupo no documento.
Shkreli defendeu a política de preços, dizendo que o valor de fabricação não incluia outros custos, como marketing e distribuição, que teriam aumentado drasticamente nos últimos anos. E que a receita obtida seria usada em pesquisas de novos tratamentos para a toxoplasmose.
“Precisamos ter lucro com essa droga. Antes de nós, as empresas estavam praticamente dando-a de graça”, afirmou ele à época, em entrevista à emissora Bloomberg.
A Turing acabou cedendo e baixou o valor para US$ 375, “um nível mais acessível e que permite à companhia ter lucro, ainda que pequeno”. Só que o preço ainda é 2.500% maior que antes do aumento.
Em dezembro de 2015, o empresário pediu demissão do cargo após ser preso por uma suposta fraude em uma das empresas em que havia trabalhado. Ele irá a julgamento em 26 de junho.